31 Agosto 2023
"A verdade é que o Papa é um dos poucos que procuram a paz e a sua é uma das poucas vozes que se opõem ao rearmamento (uma 'loucura'), portanto, para os fanáticos dos exércitos ele é amigo de Putin e inimigo da Ucrânia, da OTAN e da Europa", escreve Daniela Ranieri, jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 30-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Já é certo: o Papa faz propaganda a favor da Rússia. Porque no dia 25 de agosto, na videoconferência pela Jornada da Juventude Russa de São Petersburgo, ousou exortar os jovens para não esquecerem que são os herdeiros da "grande Rússia dos santos, dos reis, da grande Rússia de Pedro I, Catarina II, aquele império grande, culto, de grande cultura e de grande humanidade”, praticamente confessou torcer por Putin.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, Oleg Nikolenko, o desmascarou no Facebook: “É com tal propaganda imperialista e a ‘necessidade’ de salvar a ‘grande Mãe Rússia’ que o Kremlin justifica o assassinato de milhares de homens e mulheres ucranianos e a destruição de centenas de cidades e aldeias ucranianas”. Caramba. Exceto pelo detalhe de que o Papa não falou de necessidade de salvar alguma coisa e, se vale a propriedade transitiva, também deve ser considerado que ele "esteja justificando" assassinato e destruição. Pouco importa que o Papa tenha especificado o que queria dizer convidando os jovens a ser "construtores de pontes entre as gerações": certamente não ser imperialistas e czaristas, mas "manter viva a história e a cultura de um povo" para se tornarem "artesãos da paz no meio de tantos conflitos”, “semeadores de reconciliação”; para as autoridades ucranianas, em vez disso, ao celebrar a grandeza do povo russo pretendia justamente tecer louvores à vontade de poder de Putin.
A Igreja Católica Ucraniana pediu “explicações” imediatas à Santa Sé. Da mesma forma que um ano atrás, quando teve a pretensão de educar o Papa sobre como fazer a Via Sacra (o Vaticano havia escandalosamente decidido que uma mulher russa e uma ucraniana carregassem juntas a cruz), o arcebispo de Kiev, dom Sviatoslav Shevchuk, expressou "dor e preocupação" porque essas palavras podem ser “entendidas por alguns como um encorajamento ao nacionalismo e ao imperialismo” e “inspirar as ambições neocoloniais do país agressor”. Ou seja, lembrar aos jovens que vêm de um grande passado, como está escrito em todos os livros assinados por historiadores e não por propagandistas da OTAN, significa exortá-los a apoiar Putin e, porque não, a invadir a Europa “até Lisboa”.
A arma fumegante do pró-putinismo do Papa, de acordo com uma interpretação rasa igual apenas àquela dos nossos comentaristas (Galli della Loggia definiu a posição do Papa como "pró-Rússia" em todos os sentidos), é que Moscou acolheu favoravelmente as suas palavras (deveria tê-las rejeitado?).
Essa polêmica é a prova de que a guerra (compreensivelmente para quem a vive, menos compreensivelmente para quem a fomenta a partir de casa) causa a rendição do pensamento, a capitulação do espírito crítico. Os russófobos nem sequer percebem que caem em contradição: não só porque já como herdeiro do trono Pedro viajou e abriu-se à cultura ocidental, o que o levará a operar uma revolução econômica, social e cultural; mas também porque o povo russo e o povo ucraniano, longe de serem "a mesma coisa" por razões étnicas e culturais, certamente não eram povos irredutivelmente distintos que Pedro, o Grande, unificou pelo império (de fato, nos territórios disputados existem populações russófonas, fato que está na origem do conflito no Donbass). Gogol era ucraniano, como Bulgakov: não são escritores daquela grande Rússia?
Mas o que deveria ter recomendado o Papa aos jovens russos: de serem indignos do país que produziu cultura e beleza eternas, patrimônio da humanidade? De recusar-se a afirmar-se russos para irritar Putin? De olhar para a ficção de Zelensky?
A verdade é que o Papa é um dos poucos que procuram a paz e a sua é uma das poucas vozes que se opõem ao rearmamento (uma "loucura"), portanto, para os fanáticos dos exércitos ele é amigo de Putin e inimigo da Ucrânia, da OTAN e da Europa que é dominada por ela. Pouco importa que tenha definido a agressão russa como um “ato sacrílego e repugnante”; se não ofende o povo russo e a sua grande história, é um agente da propaganda imperialista. É o que vem acontecendo ultimamente.
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Francisco desmascarado por Kiev: também ele faz propaganda para Putin. Artigo de Daniela Ranieri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU